terça-feira, 24 de março de 2015

Apolinário Porto Alegre ou Simões Lopes Neto: Quem iniciou o Regionalismo?


No ano em que se completam cem anos da publicação do livro Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto, cabe levantar a discussão que tem sido omitida e poderá passar para os anais da história literária como um equívoco, para não dizer injustiça. Para alguns meios de comunicação e também para algumas universidades, Simões Lopes Neto é o maior vulto do regionalimo gaúcho. Por causa desta afirmativa, já há muito tempo cultuada, esqueceu-se de dizer à sociedade em geral quando surgiram as primeiras obras regionalistas, que tratavam dos costumes e tradições da gente do campo, da figura do gaúcho propriamente dito. E Apolinário Porto Alegre assim se insere nesta assertiva com sua obra O Vaqueano, um romance publicado pela primeira vez nas páginas da Revista Mensal do Partenon Literário em 1872. Ali ele aborda pela primeira vez um tipo social até então ausente da literatura gaúcha: o “vaqueano” — personificado no livro pela figura de José de Avençal. Publicado pela segunda vez em 1927 pela Livraria do Globo, O Vaqueano é uma referência histórica para se entender a formação da literatura dita regionalista que tem nos Contos Gauchescos um marco definitivo.

Em Apolinário Porto Alegre, hoje, pouco se fala. A juventude gaúcha praticamente não o conhece. O busto em sua homenagem, na Praça Argentina, foi depredado há alguns anos e com o descaso do poder público, tende a permanecer desta forma. Mas foi através dele e do Partenon Literário — onde foi o principal fundador — que surgiram as primeiras manifestações regionalistas na nossa literatura. O historiador Guilhermino César em sua obra História da Literatura do Rio Grande do Sul assim determina: “Com o Partenon Literário inaugura-se o ciclo da literatura regionalista, dita gauchesca”. No romance O Vaqueano aparece pela primeira vez, como fator estético, o homem do campo, tipo social também presente em outras obras de Apolinário como Paisagens (1875) e A Tapera (1875), ambos livros de contos. Ele também usou versos regionalistas para demonstrar seu amor pelo Rio Grande (Bromélias, de 1874) e exerceu o nobre papel de educador na então Província com a fundação do Instituto Brasileiro. Consta de sua bibliografia também a publicação da Lenda O Crioulo do Pastoreio (1875). Influenciador de talentos como Múcio Teixeira e Alcides Maya, não é de se surpreender que Apolinário tenha granjeado em certo momento de sua vida até o respeito de vultos como o ex-governador Julio de Castilhos — na época estudante de Direito em São Paulo — que, precisando de subsídios para a publicação de um livro sobre a Revolução Farroupilha, solicita numa carta o seu auxilio, assim se dirigindo ao mestre: “Não me consta que haja na nossa província quem conheça mais a história da mesma do que o sr.”  Ironicamente, o fundador do Partenon Literário viria a ser perseguido pelas forças castilhistas anos depois.

Esteticamente ligado à escola do Romantismo Brasileiro, Apolinário Porto Alegre deixou suas marcas na história do Regionalismo rio-grandense como podemos ver nas obras citadas acima, hoje encontradas em sebos ou bibliotecas. Cabe-nos a reflexão: será Apolinário apenas o precursor do Regionalismo ou será, de fato, o maior vulto desta literatura regionalista? Reconhecemos o mérito de João Simões Lopes Neto, autor nascido em Pelotas — terra natal de outro grande vulto, Lobo da Costa — e que nos deixou clássicos como Lendas do Sul e Contos Gauchescos. Mas jamais devemos deixar de rediscutir uma questão que trata da formação da verdadeira literatura gaúcha. E que teve em Apolinário Porto Alegre, um dos seus maiores defensores. Quem nunca ouvir falar do Popularium Sul-rio-grandense?

Trata-se de restabelecer uma verdade ou até mesmo corrigir uma injustiça histórica. Afinal, estamos falando de primazia das letras gaúchas. E essa discussão deve ter seu amparo nos meios de comunicação e também nos meios acadêmicos. Apolinário Porto Alegre foi um dos maiores intelectuais da história deste estado. Mas a maior parte da sociedade ainda não descobriu isso.

Benedito Saldanha
Escritor e Presidente do Partenon Literário