sábado, 20 de junho de 2015

Apresentando o piano ( e minhas recordações e ilações, junto a ele )



O piano é um instrumento nobre e apenas sua visão nos transporta aos célebres músicos eruditos tais como Bach, Mozart, Beethoven, Schubert, Liszt, Brahms. Nos vemos em salões de Viena em meio a valsas, minuetos, mazurcas. Quem ouve o som de um piano lembra de anjos dançando, de um mundo de magia onde as fadas se espreguiçam e se acordam para habitar os livros de histórias infantis.  Ou visualiza os duendes acordando os sete anões para dizer a eles que Branca de Neve está demorando para voltar para casa.

Chamo as teclas brancas de plebeias e as pretas de nobres.

Sempre pensei que somos um pouco de tudo e que necessitamos nos completar, uns aos outros. Quando as teclas pretas são chamadas para harmonizar, a melodia se torna expressiva e atinge o seu apogeu. Os tons menores precisam das teclas pretas para expressar sua tristeza. Aos tons maiores cabe expressar alegria. Os tons menores finalizam com um sentido de suspensão, algo inacabado como se faltasse mais um acorde. Os tons maiores finalizam com determinação e não deixam dúvidas de sua resolução.

Em nossa vida, ora somos Dó maior, ora Dó menor. As vezes alegres e outras tristes, mas nunca só alegres ou só tristes.

Estar feliz ou triste é uma permissão que damos a nós mesmos, por nossa livre escolha, por nosso modo de ver a vida.

Mas seja qual for a hora que estivermos vivendo a vida se nos exige continuidade e constância.

Quando nos encolhemos em nossas angústias ,sentados no chão, pendendo a cabeça sobre os joelhos, então é porque estamos nos tornando um Dó diminuto. Quando cantamos bossa nova com nova postura e um novo olhar, tentando colher as estrelas do céu, então é porque nos sentimos um Dó aumentado, em toda plenitude E, certamente, João Gilberto, Vinicius de Morais e Tom Jobim ergueriam sua taça para brindar conosco.  Quando o riso nos vem leve e solto estamos nos transformando numa escala cromática brincalhona e saltitante. Se pisarmos em ovos o andamento é lento; se andarmos rápido é presto; se corrermos na chuva de verão é prestíssimo; se cantarmos para ninar a criança nos transformamos em adágio; se sambarmos na casa de bamba, estaremos no Brasil e a gafieira pedirá passagem. Se estivermos vivendo um grande amor estaremos vivendo o Bolero de Ravel, em toda sua intensidade.

A música é criativa e nos acompanha em todos os nossos passos. Pertence a todos os povos de todos os continentes.

Tenho a felicidade de ter um piano em minha sala e acima dele uma pintura à óleo de Frederico Scheffel, um talento do Rio Grande do Sul, que fez sua fama nos países europeus. A tela remete ao Rio de Janeiro ,ano de 1951, quando lá morei com meus pais. Retrata minha mãe,no auge da beleza, aos trinta anos. Sua presença ali, junto ao piano, é um modo de tê-la comigo para dedicar-lhe as músicas que me pedia para tocar.

O piano encanta a todas as gerações É um privilégio tocá-lo, ouvi-lo, abrir sua tampa ao entardecer, para então abrir as comportas da emoção, através de um som inigualável em beleza. Quando a tampa se fecha saímos embevecidos e de alma leve, sem querer sair.

Saímos do mundo do sonho, bruscamente, ao ouvir um dos filhos, poe exemplo, gritar, inquieto:

- Mãe, precisa fazer mais feijão !

Que sensível diferença entre esses dois mundos!

Que mundo prosaico nos aguarda onde a realidade nos atropela com outros compromissos inadiáveis em nome de nossa responsabilidade e competência !

Mas a fuga também se faz inadiável:

- Filho, está pronto o feijão.

E assim dizendo volto a sonhar Chopin, o meu compositor preferido.

Katia Chiappini 
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